Depois de longos meses completamente isolada em minha residência, a contar nos dedos de uma das mãos as vezes em que arrisquei ir à rua, tudo em mim gritava por mais espaço.
Longe de mim a irresponsabilidade dos aglomerados de cara nua! Entretanto precisava de outros horizontes para meus olhos, exercício para meus músculos, vitamina D para o meu organismo e o mínimo de diversidade para a minha mente, além do que era percebido através das telas ou do papel. Era preciso jogar o corpo no mundo sem a armadura de aço do carro, dos passeios encouraçados pela cidade.
Já tem um tempinho, comecei a caminhar quase todos os dias, aqui por perto de casa. Não vou longe e tomo todos os cuidados. Fico distante dos outros, uso máscara, estou ao ar livre, empapuçada de álcool em gel, sapato só do lado de fora da porta, banho caprichado ao retornar, roupa no cesto ou direto na máquina de lavar. Novas rotinas e hábitos.
Depois da reclusão, tudo tomou um colorido ainda mais especial.
Mexendo o esqueleto por aí, ouço e observo os passarinhos nas árvores que cresceram e floriram, enquanto eu não estava lá. Reparo nas pessoas e, em meu tribunal mental, julgo e condeno os desleixados e indiferentes ao sofrimento causado pela pandemia. Fico feliz pela possibilidade de expressão da mulher que pilota sua moto com o guidão decorado por girassóis e uma gigantesca bandeira nas cores do arco-íris. Penso no dia em que serei eu a senhorinha que se exercita agarrada a uma toalhinha para secar a testa e a uma bolsinha estampada. Acho graça no velho que pensa que tem chance com a moça que passa com sua roupa justa de "treino". Espicho minha curiosidade para o índio da aldeia próxima que monta uma banca e oferece seus elixires. As crianças confiam nas rodinhas de apoio das bicicletas, são superprotegidas por patinetes triciclos, experimentam chutes em bolas e se equilibram em patins.
Há vida.
Ainda tenho medo, tristeza, saudade, revolta, raiva, luto, mas, por ora, experimentar o mundo durante alguns minutos por dia resgatou minha sanidade mental.
Esta bravo para todo mundo. Eu moro sozinho e fico trabalhando de home office. Sö converso com outra pessoa durante meia hora no daily meeting. Tenho que ligar a televisão para ter algum barulho em